terça-feira

Congresso de bicicletas.

Andar de bicicleta sempre o excitará profundamente. Bento ainda recorda quando na manhã de natal, ganhara sua primeira: de rodinhas, branca com detalhes verdes, foi amor a primeira vista. Aquela lembrança o fez querer sorrir, mas agora ele estava sentado na esquina de sua quadra, segurando o joelho ralado e esforçando-se demais para não chorar. Ah, como ardia aquela ferida misturada com areia da rua. Pessoas passavam e o olhavam com olhar de pequena pena, algumas crianças até sorriam e apontavam em sua direção. Bento tentou levantar, o joelho latejou e ele pensou que não seria mal passar mais um tempo ali. O sangue escorrendo em pequenos filetes que já secavam a medida que o tempo passava, passava não, arrastava-se, fazendo com que cada segundo parecesse muito.
Foi quando se aproximou, sem nem um anuncio um outro garoto. Ele veio acompanhado com sua bicicleta vermelha com pequenos adesivos de chamas e Bento imaginou o quanto ela podia correr em uma ladeira, era demais só de olhar. E assim como o garoto veio sem anuncio, um pensamento também invadira Bento, disputando o espaço do ardor em seu joelho. "Ele vai rir de mim, ele vai rir de mim" e então uma decisão, olhar para baixo e não ver mais um sorriso debochado ou olhar de falsa melancolia. O barulho dos passos e das rodas tornaram-se mais próximos a medida que os segundos arrastavam-se, mais próximos, mais próximos e mais... então, silêncio. A sombra do outro o cobria e ele sabia que a bicicleta vermelha havia parado a sua frente, droga, pensou ele. E em um ato de extrema coragem ergueu os olhos furiosos ao encontro daquele  desconhecido. Então, surpresa, ele não ria, nem o olhava com pena. Eu cai, disse em uma explicação obvia. Normal, essas coisas acontecem... deve ser problema na roda ou algo assim. Aquela  resposta era a correta, nem mais nem menos, apenas a sinceridade de alguém sem pretensão  Vai uma ajuda? perguntou ele estendendo a mão. E sem resposta Bento fez força para erguer-se, aquilo realmente doía, mas as palavras do seu novo amigo eram tantas que a dor ia perdendo espaço em sua pequena mente, infantil demais para pensar em duas coisas ao mesmo tempo.
Logo chegaram a frente da casa de Bento e o sangue em seu joelho já havia endurecido em uma fina película que nem de casca poderia ser chamada, e ainda doía. Logo estaria em segurança, colocaria para fora a fúria, sozinho... Ia entrando em casa quando ouviu a pergunta, Vamos andar de bicicleta amanha? Amanhã pensou ele, posso cair outra vez e será pior que hoje, porque ainda nem consigo mexer o joelho direito. Vamos sim, surpreendeu-se ao ouvir a própria voz em resposta.

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