terça-feira

Reminiscência I: Amazonas

From:  gaksdesigns.tumblr.com
Acorda-se na lúgubre escuridão do seu quarto. João senta-se na beirada da cama e apóia a cabeça nas mãos. Há um mês perdera a namorada e ontem fora demitido do seu emprego. Esfrega as mãos no rosto e elas voltam molhadas. Do outro lado do quarto um espelho reflete o rosto com olheiras e a barba mal feita. Olha para baixo e seus pés vão aos poucos desaparecendo, dando lugar às recordações.
As estradas do Amazonas. Ainda de madrugada eu era acordado pela minha mãe e meio sonolento era levado, nos seus braços, ao banco traseiro do carro. Não lembro de tomar banho antes de partir, também não era preciso. No som do carro tocava Raízes Caboclas e era com Cantos da Floresta que eu despertava, junto com a mata. Pouco a pouco, ia tomando consciência de mim mesmo. Olhava para as janelas e via as árvores lá fora, todas correndo para trás, rápidas em um borrão verde. Um vento frio invadia o carro. Eu, pequeno, me enrolava no lençol, fechava os olhos e sorria para os árvores. Agora lembro-me dos primeiros raios de sol, filtrados pelas copas diáfanas das árvores. Ah, que saudade tenho de sentir o cheiro de mato pela manha. Tomar tomar café em algum ponto da estrada com tapioca e tucumã. Dos sorrisos com meus pais e meu irmão.
Mais molhadas agora, suas mãos voltam a pousar na cama. Para onde foram os rios? Faz algum tempo que as únicas a águas que mergulhava eram as da piscina no quintal, feita de muitas horas de trabalho exaustivo em uma repartição publica. Até a água era agora artificial?
É invadido pelo inefável desejo de voltar a ser criança e mergulhar no útero da grande mãe Amazonas. Negra grande de olhar profundo. Será que a grande mãe Amazonas chorava pelo filho ter queimado o verde com o fogo da ambição? Ou ela olhava com desprezo àquele que um dia enquanto criança brincou em seus braços escuros? 
Esconde mais uma vez o rosto nas mãos.
Subitamente é tirado das suas reflexões ao olhar a hora. O relógio marca 3:30 da madrugada. João enxuga  o rosto, lembra-se do desemprego e da necessidade de sustentar a casa, o carro e todos os desvarios sociais.  Deita-se e anseia voltar a dormir, resignado com a sua condição. Sufocando suas reminiscências. Tem que acordar cedo para procurar trabalho. Talvez dormindo volte, ao colo onírico da Amazonas. 

2 comentários:

  1. Olá Pedro!
    Vim retribuir a visita lá no blog,muito obrigado.
    Esse conto é de tua autoria?É muto bonito e melâncolico.Consegui sentir a tristeza dele,a saudade...

    Bjos Fabi
    http://roubando-livros.blogspot.com

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    1. Olá, Fabi. Como vai? Sim o conto é meu mesmo, que bom que gostou, fico feliz. Adoro blogs como o seu!
      Beijos

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